segunda-feira, 20 de junho de 2016

Um dia comum naquela praia

Era um dia comum e nada tinha para fazer. Enfiei uma roupa qualquer, cerrei a porta com força e, quase sincronizado com esse bater, iniciei a procura das chaves no meu bolso vazio. Depois a busca no outro bolso. Vazio. Ausente.

Sou sempre um bocado assim, já nem me canso com esta mundana repetição de esquecimentos. O que eu precisava mesmo era de passear que a cabeça me ardia mortalmente.

Agarro na bicicleta-velha e pedalo. Esquerda. Direita. Esquerda. Direita.
             Agora com mais vigor.
            Agora por mais tempo sem descansar.
            E o tempo e o vento esvaziou-me o pensamento. As minhas passadas rolantes levaram-me à praia. Àquela praia.

            Estava bonito e airoso o tempo. O mar não tinha pressa no seu enrolar. O sol ainda se enublava no seu olhar. Peguei no meu livro de bolso, amachuquei-me na areia húmida e tentei concentrar-me. Há já uns dias que este Ensaio de Dom Juan não se acabava e havia que acabar, não era? Temos sempre coisas para fazer que não nos faz sentido fazer, mas que não deixam de obrigar.
            Passei por duas páginas, ou era a mesma que se folheava nos meus olhos? Quem disse a algum autor em algum lugar que os livros se lêem melhor em letras pequenas e em palavras confusas? Bem, confusas como estas mesmas palavras confusas.

            Do nada, dei um valente berro (e eu que nem sou daqueles de gritar!). Quem é que me mordeu o traseiro como se de comida se tratasse?

            Comecei a varrer o ar à minha frente com aquele meu olhar acusador. Serão aquelas duas miniaturas de pessoas, que brincam com miniaturas de si próprias, os portadores de tais afiadas dentuças? Tento intimidá-las com o meu olhar irado... Nada. As crianças continuam a brincar em perfeito silêncio. Senti ainda mais a urgência de encontrar o/a causador(a) do mau estar da nádega, [até porque precisava de perceber possíveis fontes de infeções carnais].


            No canto do meu campo de visão surge um movimento... é o meu chapéu de feltro que caminha de forma sorrateira? E, porque brincam crianças em pleno silêncio? Meio a medo, cheio de curiosidade, ergo o dito objecto e vejo um crocodilo bebé. Sim! Um crocodilo bebé de cor verde-bela, olhos enormes e com um olhar de pedir desculpa que comoveria até o mais magoado rabo. Um sorriso força-se na minha expressão (só me apercebo porque tenho os músculos destreinados deste movimento), eu nunca tinha posto os olhos num crocodilo. Aproximo a mão e acaricio o sedoso que são as suas escamas, a minha mão escorrega como em pelo. Ele então começa a farejar a minha perna e o calor atinge-me em pequenas lufadas de prazer. Fico arrepiado quando ele, com imensa agilidade, começa a trepar por mim acima, fazendo-me cócegas nas costas. Estou, assim, de olhos meio cerrados quando o bichinho se aproxima do meu rosto. E, ai, que choque! Uma onda de cheiro não-nada agradável entranha-se bem no meu nariz. Arregalo de imediato os olhos. Porque me morde uma ratazana-verde o queixo? Onde está o crocodilo?

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