A Dona Maria do nosso bairro há muito que se conformou com a sua entrada na terceira idade. Quem a convenceu foi certamente a perda de agilidade do corpo (cai muito frequentemente), a falta de visão (à qual recusa os óculos), os dentes que se tornam gastos (incluindo aqueles que já são artificiais), mas essencialmente o inchaço das articulações e o engrossar da sua pele adiposa.
A vestimenta também parece, por vezes, desleixada, os tecidos pouco nobres e a esgaçar, um misto entre roupa de senhora e fato de treino. Isso não a preocupa, prende-a uma causa maior, de que só nos apercebermos se a virmos no ir em vez de no voltar.
No ir arrasta o seu carrinho de compras com padrão axadrezado, companheiro fiel de compras de quem se desloca a pé. Deste carrinho, sai espetado um comprido tronco de uma árvore jovem. Uma nespereira?
"Então, Dona Maria, vai lá ao talhão plantar a árvore?"
"Sim, tem de ser! A ver se me deixam entrar com a árvore no autocarro. Mas se aos turistas deixam entrar com aquelas malas enormes!"
E assim a deixaram entrar, a ela e à sua missão. A de plantar uma árvore a dois autocarros de distância de sua casa. Dois autocarros! Nos quais entra de forma atabalhoada e quase quebrando o topo da árvore (se não fora avisada pelos restantes!) para a ir plantar num talhão. No tal talhão. A que a curiosidade nos prende, mas nenhuma resposta obtemos.
Quando saí, as companheiras do autocarro dizem que a vêm frequentemente a falar sozinha. Ela não fala sozinha, ela preenche o silêncio de sua casa com as palavras e, esquece-se que na rua já não precisa de o fazer. Na rua há tanto ruído e tantas gentes com quem entabular conversa... Falar sozinha são as defesas que a mente vai criando para se soltar da solidão.
Se encontrarmos a Dona Maria no voltar, já sabemos que estará suja, mas sorridente e poderá vir a falar sozinha. Ainda arrasta um carrinho de mão de compras, mas fácil de transportar, leve com a leveza da alma com missão cumprida.
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